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segunda-feira, 5 de outubro de 2009

O QUE É A ARTE DAS ARTES MARCIAIS?



Este texto foi escrito por Alex Kostic, filósofo por formação acadêmica e vocação. Alex pratica e estuda Systema á mais de dez anos. Alex Kostic dá seminários de systema ás forças antiterrorista sérvias, aulas na escola de Vladimir quando está no Canadá e realiza seminários pelo mundo inteiro. Um excelente ser humano com quem já tive o prazer de treinar. O texto foi primeiro traduzido de sérvio para inglês por Dragan Milosevic.


Vivemos num tempo em que quase todos os aspectos da nossa existência estão direta ou indiretamente condicionados pela tecnologia. Mais do que isso no ver de muitos pensadores, a tecnologia dita a direção em que uma civilização se desenvolverá. Nos nossos dias seguimos a ordem da tecnologia e não vice-versa. Uma situação desta leva inevitavelmente, aos poucos a uma imposição de enquadramento a uma das coisas mais humanas, - a espontaneidade e criatividade como esboço do "desejo de saber”. Este "desejo de saber" que está a ser perdido inclusive entre crianças, é o maior instigador da coexistência entre o homem e o mistério de ser, o qual é descoberto camada por camada através do desejo de saber e do espanto/assombro.

O êxtase da descoberta é primeiramente formado pelo fenômeno, ao qual nos referimos como arte.Todo o resto é utilização e adaptação do conhecimento prévio original para as necessidades diárias.Para um homem criar uma peça de arte , têm que estar inspirado. (in-espirito/inalação de ar). Vemos aqui que as palavras inspiração (estar inspirado) e respiração têm a mesma origem, a mesma raiz, o que por sua vez nos faz pensar, que um homem que cria necessita de estar inspirado (como que espiritualizado). Isto leva-nos a colocar as coisas por ordem. Respiração... Conhecimento prévio... Materialização e Formação (criar forma) "de algo", e o fenômeno. Esse "algo" que está a ser descoberto tem um lado escondido. Não há outra maneira... Seria o assassínio do mistério de ser. Esta dança entre o oculto e o que está a ser descoberto é expressa (e somente possível) na arte. Uma peça de arte, não tem limites na sua interpretação e carrega consigo mensagens e diretrizes inesgotáveis para cada nova geração. Por exemplo, um cubo de bloqueio (de automóvel) velho e dobrado ou um rádio partido podem ser testemunhas de um passado recente, mas não têm uso hoje (exceto para reciclagem), ao contrário de David de Miguelangelo ou Hamlet de Shakespeare, que não cessa de educar gerações futuras. Isto é apenas arranhar a superfície, pois podíamos juntar a Bíblia, vários compositores, etc.

Enquanto lendo isto, alguns se perguntarão, “o que é que isto tem a ver com as artes marciais"?

Se aceitarmos o segmento da arte no marcial tem então que nos perguntar não onde, mas como está presente. Tentarei dar uma curta (e direta) resposta a essa questão. Como ser humano (ao contrário de persona), um homem não é determinado, mas de certa forma "delineado”. Determinado é um animal com todos os seus instintos, "delineado” é um homem como um ser de amor. Alguém que foi transformado... melhor ainda em transformação...alguém que supera os seus instintos , e que redirecionar as suas energias para o refinamento da sua personalidade. No meu caso como Cristão Ortodoxo, seria chamado "do tipo Cristo".

O contexto da pratica de artes marciais (Systema) abre a possibilidade para um gênero de "confissão" corporal, ao treinar na comunidade com outros participantes. Rapidamente somos capazes de entender uma pletora de emoções que penetram o nosso corpo; raiva, aflição, dor, tristeza, alegria...
Quando estamos a ganhar uma sessão de "sparing" celebramos, (enquanto a outra pessoa está talvez zangada ou triste), às vezes ficamos com medo de alguém mais forte ou mais cruel, por vezes tentamos a vingança... magoar alguém de propósito... E por vezes retiramo-nos (fugimos da situação). Por vezes emergem estados, dos quais não estávamos cientes. É ao mesmo tempo natureza "maquinal/sem opinião" do todo, mas também matéria para trabalhar. Como um pintor que têm as suas cores e telas de lona, e o escultor têm a sua pedra, nós temos o nosso corpo (como fundação do ser, "o corpo como templo da alma") para trabalhar. Para o tornar possível temos que ter a estrutura/molde certo, quer isto dizer uma relação diferente do que a competitiva. O que contitui o homem é a sua relação com outros. Sem outros, o que quer dizer sem a comunidade, não existimos como pessoas. A relação com os outros é o que molda a minha personalidade. Através da interação com outros e preocupação uns com os outros, eu sou moldado, como individuo e indivíduos como comunidade. A competição constante dá-nos a ilusão de poder... De certa maneira "roubamo-la" da derrota... Até o dia em que somos "roubados" nós mesmos. O nosso poder é temporário e de vida curta, como uma droga. Atravessamos um inferno físico e emocional para preservar esse estado... Fechamo-nos na nossa fortaleza, feita de massa muscular, e ai residimos sozinhos numa escuridão espiritual.

Não há luz sem empatia e preocupação pelos outros. Só uma porta ou uma janela aberta, deixam entrar ar fresco em casa. No caso do homem é esta abertura para o "outro", que é o outro "eu". Lutar é sempre lutar consigo próprio. De uma maneira é a superação dos seus medos e fraquezas. O "outro" está lá para nos ajudar e não para nos derrotar. A única coisa que é necessária derrotar é a nossa fraqueza e os medos que nos impedem de ser um corpo novo - um corpo de luz e amor.

A arte no marcial é a "arte de transformação" de maquinal/sem opinião, para um espírito aberto, através do terror de se enfrentar a si mesmo com a ajuda do "outro". Hoje num mundo de pragmatismo e de medidas, freqüentemente temos o caso das artes marciais serem incapazes de encontrar o seu caminho na realidade, como que evitando confronto decreto. Sob a desculpa de "tradição", estão a esconder-se do desafio da realidade. Por outro lado, temos uma abordagem puramente utilitária, que é deprivada ao humano, e se torna um propósito em si mesmo, onde o humano é sacrificado (de transformar um homem numa máquina). “O encontro de um homem com a sua própria realidade e a realidade á sua volta, tudo no interior da comunidade que fornece suporte para superar fraqueza e transforma em espiritual, do tipo-Cristo, talvez essa seja a direção a seguir”. O maior guerreiro de todos os tempos venceu e humilhou-se a si próprio e não outros... Pelo bem de todos.



ALEX KOSTIC INSTRUCTOR SENIOR DE SYSTEMA

SYSTEMA SÉRVIA
Traduzido para o Português por Nelson Wagner – Instrutor Junior.

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